Após quatro anos sem rodadas, cortes orçamentários e acúmulo de obras paradas, Orçamento Participativo ressurge no debate municipal.
A menos de um mês do primeiro turno das eleições municipais, o Orçamento Participativo (OP) ganha relevância nos debates e programas dos candidatos à prefeitura de Belo Horizonte. O instrumento recebeu críticas e elogios à esquerda e à direita, e foi assunto do último programa eleitoral do prefeito Alexandre Kalil, que diz estar promovendo um OP “sem demagogia”.
Independentemente do posicionamento, o OP parece ter ocupado espaço em todos os programas apresentados à cidade e, muito provavelmente, foi assunto das pesquisas qualitativas dos candidatos. Isso se deve à grande relevância que o instrumento tem na cidade e na memória dos cidadãos, sobretudo na periferia, que recordam uma política democrática de inversão de prioridades, bem distante do que se chama de OP hoje em dia.
Atualmente, existem centenas de obras não concluídas do OP em Belo Horizonte o que se deve, principalmente, à diminuição dos recursos repassados para este fim. Como mostra o Gráfico 1, a partir de meados de 2009, o OP passou a acumular um grande número de obras não concluídas, enquanto novas obras seguiam sendo aprovadas. Ou seja, as rodadas do OP continuaram sendo realizadas, compromissos foram firmados com a população para a realização das obras eleitas mas, mesmo depois de anos de espera, nada foi cumprido.
Com isso, formou-se um enorme passivo de obras do OP que em 2016 era de 450 obras inconclusas. Em 2017 o atual secretário de Obras e Infraestrutura, Josué Valadão (que ocupou a pasta também na gestão Lacerda), anunciou que, para que as obras fossem concluídas, não seriam feitas novas rodadas do OP. Em quatro anos de mandato da gestão Kalil, a prefeitura concluiu 124 destas obras, deixando 326 ainda no passivo.
Mesmo com o compromisso da atual prefeitura em concluir as obras paradas, uma questão fundamental foi mantida da gestão anterior: a diminuição dos recursos destinados ao OP no orçamento municipal. Como mostra o Gráfico 2, a parcela do orçamento municipal aprovada para o OP, que chegou a quase 16% em 2008, começa a cair a partir de 2009 (início da gestão Lacerda) chegando a menos de 5%. Enquanto isso, o valor empenhado no OP – ou seja, aquilo que de fato foi aplicado para a realização das obras escolhidas – chegou a menos de 1% ao final da gestão Lacerda. Enquanto isso, na gestão Kalil, apesar do crescimento dos valores aprovados, o valor empenhado nas obras não passou de 2% da despesa capital do município.
Tudo isso indica uma falta de comprometimento da prefeitura com a participação cidadã conquistada a partir do OP. Mesmo com toda a mobilização popular e com o sério trabalho dos técnicos dedicados ao OP desde sua criação, a falta de vontade política é capaz de inviabilizar completamente o pleno funcionamento deste instrumento de democratização da cidade.
Mas nem sempre foi assim. Em seus anos iniciais, o OP de Belo Horizonte representou uma das primeiras e mais exitosas experiências de participação popular na administração urbana em todo o mundo. Realizava-se aquilo que ficou conhecido como “inversão de prioridades”: todos os anos uma parcela do orçamento estava garantida para as áreas mais necessitadas da cidade que, até então, haviam sido excluídas do planejamento. O OP passou a representar o meio pelo qual as periferias, vilas e favelas conquistavam obras e intervenções essenciais, como contenção de encostas, unidades habitacionais, centros culturais, postos de saúde, e mesmo planos de urbanização.
Além disso, o OP se tornou uma forma de incentivar a organização e participação da sociedade civil. As associações de moradores, movimentos sociais e cidadãos interessados em abordar os problemas de seus bairros mobilizavam-se em massa, até as últimas rodadas do OP, para pleitear recursos para as regiões mais carentes da cidade. Com isso, não só faziam-se ouvir as demandas da população, como também estabeleceu-se um espaço para que o povo tomasse conta dos processos políticos de sua região e da cidade como um todo. Uma verdadeira escola da cidadania e da política.
Entretanto, atualmente o que se vê são obras paralisadas por toda a cidade e a desmoralização dos processos do OP. Um exemplo claro está no bairro Providência, regional Norte de BH. A população da região, historicamente organizada em torno de movimentos da igreja católica, mobilizou-se no OP de 2013/2014 (iniciado em 2012) para conquistar a reforma da praça da Igreja de Santo Antônio. A praça é um dos poucos locais de lazer da região e ponto tradicional para realização de eventos culturais e assim, sua reforma foi aprovada no OP com valor R$ 1,946 milhões.
Passados oito anos, não só a obra não foi iniciada, como entrou para a lista do “escopo otimizado” da prefeitura. Ou seja, por conta da pouca destinação de recursos para o OP, foi apresentado um novo projeto com orçamento reduzido (e valor ainda não divulgado) para a realização de uma reforma menos abrangente e diferente daquela aprovada pela população oito anos atrás. Assim, a praça segue em situação de abandono enquanto a população do bairro assiste o aumento da criminalidade e decaída das atividades culturais da região.
Maria das Graças Nascimento, liderança comunitária e delegada da COMFORÇA eleita para o acompanhamento da obra, relata sua frustração com o processo:
Assim, Maria das Graças, como diversas outras lideranças que participaram do OP, permanecem sem a realização das obras e desmoralizadas diante da população de seus bairros que não veem mais retorno da participação nos processos do OP.
É importante reconhecer que existe um avanço em relação à gestão anterior. A paralisação das rodadas para conclusão das obras do passivo, assim como a aprovação em primeiro turno da PELO 1/2017, que coloca o OP na lei municipal, representam uma lenta caminhada em direção à retomada do sucesso do OP. Entretanto, questões fundamentais seguem sem resposta.
A prefeitura não apresenta, por exemplo, medidas que especifiquem a quantidade ou a fonte dos recursos do OP, nem mesmo garante a transparência em seu manejo. Pelo contrário, as propostas enviadas à câmara que abordam estas questões têm sido paulatinamente descartadas pelo bloco governista. Desta forma, o que se enxerga é um OP nos termos da gestão Kalil: longe do controle da população.
Contudo, a aprovação da PELO 1/2017 e as discussões sobre o OP no processo eleitoral representam uma nova possibilidade de mobilização. Os cidadãos têm agora a possibilidade de escolher representantes comprometidos com a participação popular, que será garantida por lei, se confirmada a aprovação em segundo turno da PELO. Assim, espera-se poder construir aos poucos o caminho para a retomada deste instrumento tão importante para a cidade de Belo Horizonte.