Entre a Igreja Católica e o Terceiro Setor: relações transescalares e a atuação da AVSI em Belo Horizonte.[1]
Between the Catholic Church and the Third Sector: trans-scale relations and the performance of AVSI in Belo Horizonte.
Artigo publicado originalmente na revista Indisciplinar nº 10 em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/indisciplinar/issue/view/1276
- PORTO, Henrique Dias; 2. SOUZA, Gisela Barcellos de; 3. NOBRE, Maíra
1. Henrique Dias Porto
Filiação: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Email: henporto@gmail.com
Currículo: Graduando em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do grupo de pesquisa indisciplinar/UFMG.
2. Gisela Barcellos de Souza
Filiação: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Email: giselabarcellos@ufmg.br
Currículo: Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com mestrado em Projet Architectural et Urbain: Théories et Dispositifs pela Université de Paris VIII (UP8) e doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo pela Universidade de São Paulo (FAUUSP). É professora adjunta do Departamento de Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro do grupo de pesquisa indisciplinar/UFMG.
3. Maíra Ramírez Nobre
Filiação: Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC – Barbacena) Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
E-mail: mairaramirez@gmail.com
Currículo: Arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal de São João del Rei. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável- UFMG. Professora adjunta e coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presidente Antônio Carlos – Barbacena. Membro do grupo de pesquisa Indisciplinar/UFMG.
Resumo
O presente trabalho trata da convergência e da disputa entre setores da Igreja Católica e Terceiro Setor pela pauta da segurança da posse e da urbanização de vilas e favelas no Brasil nos anos 1980. Aborda-se o caso da AVSI – Associação Voluntários para o Serviço Internacional – ONG italiana que chega ao Brasil em 1981 como organização vinculada ao movimento religioso Comunione e Liberazione e torna-se no início dos anos 1990, a partir das experiências que desenvolve em Belo Horizonte, uma ONG reconhecida internacionalmente como experta em intervenções estruturais em assentamentos informais. Trabalha-se aqui com a hipótese de que a chegada da AVSI no Brasil coincide com um momento de transição em que a questão urbana, sob a perspectiva dos excluídos das ações e políticas estatais, deixa de ser terreno de atuação preferencial da Igreja Católica e passa progressivamente a ser campo de inserção de ONGs e financiamentos internacionais. Aborda-se esta organização a partir de uma abordagem transescalar e sob duas grandes perspectivas opostas – a resistência católica ao processo de secularização e a expansão do capital financeiro internacional.
Palavras-Chave: AVSI; Terceiro Setor; Igreja Católica; Urbanização de Vilas e Favelas.
Abstract
This paper deals with the convergence and the dispute between sectors of the Catholic Church and the Third Sector for the security of land tenure and urbanization of slums agenda in Brazil in the 1980s. It analyzes the case of AVSI – Voluntary Association for International Service – Italian NGO that arrives in Brazil in 1981 as an organization linked to the religious movement Comunione e Liberazione and becomes in the early 1990s, due to its works in Belo Horizonte, an international recognized NGO as an expert in structural interventions in informal settlements. It’s considered here the hypothesis that the arrival of AVSI in Brazil coincides with a moment of transition in which the urban issue, from the perspective of those excluded from state actions and policies, ceases to be the preferential territory of the Catholic Church and becomes progressively a field for the insertion of NGOs and international financing. This organization is approached from a cross-scaling approach and under two major opposing perspectives – Catholic resistance to the process of secularization and the expansion of international financial capital.
Keywords: AVSI; Third Sector; Catholic Church; Urban interventions in Vilas and Favelas.
- Introdução
A participação da sociedade civil no planejamento urbano é, ainda hoje, uma temática repleta de controvérsias. Se, por um lado, a inclusão de organizações sociais no ambiente institucional garante uma gestão mais democrática e plural das cidades; por outro, pode operar como instrumento de isenção das responsabilidades do Estado como garantidor de direitos básicos, como alertam Dagnino (1994; 2002; 2004) e Maricato (2010).
Um importante marco desta progressiva desvinculação entre o papel do Estado e o planejamento urbano foi a Segunda Conferência das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (Habitat II), realizada em Istambul no ano de 1996. Essa conferência, reconheceu pela primeira vez, em âmbito internacional, a participação da sociedade civil no debate sobre a produção das cidades. Diferentemente da UN-Habitat I (1976), a segunda conferência passou a contar com a participação de ONGs e movimentos sociais[2]. Realizada em um período de grandes transformações – marcado pela vigência de uma “agenda urbana do ajuste”, como descreve Arantes (2006) –, este evento consolidou o avanço na transposição do receituário neoliberal para âmbito das políticas urbanas. Segundo Rabelo e Fantin, por meio da “descentralização e o fortalecimento do poder local”, a Habitat II representa a “manifestação do consenso ideológico” coetâneo que, calcado na aposta na sociedade civil e na iniciativa privada, tinha a demissão do Estado como efeito colateral e pauta subjacente (RABELO; FANTIM; 2017, 935-936).
Se, ao final do século XX, o papel central do Estado no planejamento urbano começa a erodir-se em âmbito internacional; a história do urbanismo nos revela, por outro lado, como a figura do Estado planejador é uma construção recente, com ressonâncias e pungências de ordens variáveis em contextos geopolíticos distintos. No caso brasileiro, esta figura nunca chegou a desenvolver-se em plenitude; diversos foram os fatores que contribuíram para tal – e não seria o caso de retomar todos aqui. O presente artigo visa, no entanto, apontar em direção a um aspecto ainda pouco investigado pela historiografia do urbanismo no Brasil: ao lado da figura frequentemente destacada do Estado patrimonialista (FERREIRA, 2011), soma-se, também, o aspecto da recente consolidação da terra urbana como mercadoria e da extinção do sistema de aforamento que permitiu, durante os séculos precedentes, que a Câmara Municipal e a Igreja assumissem um papel preponderante na produção do espaço urbano (cf. FRIDMAN, 1999; RIBEIRO, 2017).
Durante quatro séculos, o patrimônio religioso, mais frequentemente que o público, possibilitou, por meio do acesso à terra urbana, uma brecha no sistema de sesmarias para aqueles que não eram nem escravos, nem senhores de escravos (REIS FILHO, 2001; MARX, 1991). Ainda que a Lei das Terras, aprovada em 1850, tenha estabelecido legalmente a propriedade privada do solo, a prática de concessão de terras urbanas em troca do pagamento do foro permaneceu vigente até o início do século XX (MARX, 1991; LIMA, 2009). A figura do patrimônio religioso, por outro lado, permaneceu imiscuída no tecido urbano brasileiro, como nos demonstra Murilo Marx (1989). A extinção da concessão da terra do patrimônio religioso pode ser compreendida, neste contexto, como parte do processo de laicização; não obstante, não há como supor que uma prática de longa duração viria a desaparecer subitamente. Ora, deve-se questionar, então, se a atuação da Igreja Católica junto à terra urbana não viria a assumir novos contornos no século XX.
É nesta relação dialética entre o papel secular da Igreja Católica na produção do espaço urbano brasileiro e o surgimento da atuação urbana do chamado Terceiro Setor que se situa o objeto de análise deste artigo. Em outras palavras, a organização examinada se insere entre dois extremos – um se volta para o passado, o outro aponta para as tendências atuais –; a despeito de suas dissonâncias, ambos possuem como denominador comum a posição de relativa autonomia em relação ao Estado como ente central no planejamento da produção do espaço urbano. Escrutina-se aqui a atuação inicial da AVSI – Associação Voluntários para o Serviço Internacional – em vilas e favelas de Belo Horizonte. Esta organização não governamental teve sua fundação na Itália, em 1972, ligada ao movimento católico Comunione e Liberazione. Ainda atuante no Brasil, esta ONG iniciou suas atividades na capital mineira no ano 1981 e em 1994 iniciou o Programa Alvorada, projeto participativo de urbanização de favelas que constituiria o embrião para os futuros Planos Globais Específicos de Belo Horizonte (CONTI, 2004; BEDÊ, 2005).
A opção por enfocar um estudo de caso específico, para além de caracterizar o caráter exploratório dessa pesquisa ainda em curso, aproxima este artigo à prática da micro-história entendida como uma história experimental (LEPETIT, 2016). Nesse sentido, compreende-se que o estudo de um evento de curta duração e localizado em um contexto específico pode elucidar – por meio de uma sequência de “jogos de escala” e por analogia -, e aprofundar a compreensão de aspectos de modelos explicativos da História Urbana:
O modelo histórico encontra-se submetido a dois níveis de validação. Cada um de seus elos explicativos é localmente posto à prova das observações empíricas correspondentes. Em seguida ele é confrontado, em seu conjunto, com o desmentido eventual da dinâmica social […] A correspondência entre as evoluções previstas pelo modelo e os processos observados permite aplicar ao funcionamento social passado os princípios explicativos (localmente testados de forma empírica) cuja reunião constitui o modelo. (LEPETIT, 2016, p.205)
Não se trata, portanto, de um estudo monográfico sobre a AVSI. Ainda que se parta da indagação e análise de sua atuação em Belo Horizonte entre o início dos anos 1980 e meados dos anos 1990, este artigo não se baseia em uma escala particular de investigação, mas sim na variação de escalas. Busca-se inserir o percurso inicial desta organização no Brasil “numa multiplicidade de espaços e de tempos sociais” e reconstruir, desta forma, sua significação “pelo novelo de relações sociais que se criam em volta dessa trajetória” (REVEL, 2010, p.438). A atenção se desloca, por conseguinte, da história particular da AVSI para o que sua experiência inicial no Brasil revela sobre a produção do espaço em vilas e favelas e sobre os agentes engajados em sua urbanização.
Trabalha-se aqui com a hipótese de que a chegada da AVSI no Brasil coincide com um momento de transição em que a questão urbana, sob a perspectiva dos excluídos das ações e políticas estatais, deixa de ser terreno de atuação preferencial da Igreja Católica e passa progressivamente a ser campo de inserção de ONGs e financiamentos internacionais. Não se pretende, com isso, afirmar que se trata de processo harmônico e unívoco – sem contradições, descontinuidades ou solavancos – e, muito menos, que esse é um movimento já concluso. A atuação de organizações não governamentais e de setores progressistas daquela instituição religiosa se sobrepõem no mesmo território; ora disputando-o, ora associando-se, ora assumindo paradoxalmente a forma de uma mesma entidade – como é o caso da AVSI. O Estado assume aqui um papel intermitente e contraditório; reivindicado e apartado, oscila entre momentos de maior abertura às pautas populares – em que trabalha de forma paralela ou em conjunto com os agentes supracitados – e outros de total afastamento. Essa disputa ainda vigente entre os actantes nesse mesmo território explica a opção pela estruturação dialética deste artigo.
Este texto se estrutura, portanto, em três partes, complementadas pelas considerações finais. Na primeira, contextualizar-se-á a chegada da AVSI no Brasil junto ao processo de institucionalização da ação das ONG e OSCIP no Brasil e como parte do processo de tradução das políticas neoliberais para o planejamento urbano. Na segunda parte, caracteriza-se a ação das bases eclesiais e da Pastoral de Favelas junto ao MNRU como parte de uma ação da Igreja Católica que encontra no nicho não coberto pelas políticas públicas a possibilidade de exercer novamente um papel protagônico na produção do espaço de parte da cidade. O enfrentamento entre estes dois movimentos, um que aponta à tendência atual e o outro arraigado em uma prática do passado, permite situar a atuação inicial da AVSI em Belo Horizonte – abordada no terceiro capítulo. Sua penetração local se dá por meio de um imbricamento entre as redes[3] do movimento Comunhão e Liberdade italiano e aquelas constituídas pelas ações Comunidades de Base brasileiras. Não obstante o aspecto contingencial de seu envolvimento com a realidade local, o trabalho desenvolvido junto a favelas brasileiras permite que esta organização venha a galgar novos campos de atuação e alcance reconhecimento em âmbito internacional. Para tanto, este artigo se embasa em um conjunto de distintos documentos – desde construções fruto de debates coletivos, como leis, declarações, normativas, planos e orientações, à depoimentos pessoais e entrevistas com personagens relevantes para compreensão da atuação da AVSI em Belo Horizonte[4]. Estas fontes primárias – após sua crítica interna e externa – foram cotejadas e contrastadas entre si e junto a uma miríade de fontes secundárias e narrativas de conjuntura a fim de permitir a compreensão transescalar almejada.
- O Terceiro Setor nas vilas e favelas
A AVSI é atualmente uma ONG presente em 32 países – na América Latina, na África, no Oriente Médio, na Europa e na Ásia – por meio de uma rede de 34 organizações e 700 parceiros[5]. Seu campo de atuação principal são projetos de cooperação para o desenvolvimento com ênfase na educação, contando com fundos de origem privada e, majoritariamente, pública para tal[6]. Segundo Arturo Alberti, médico e um dos fundadores da AVSI, esta ONG teria nascido em 1972, em Cesena, norte da Itália, após uma experiência de voluntariado no Congo da qual participou junto com sua esposa e um grupo de amigos (ALBERTI, 2009). Naquela ocasião, esse grupo de italianos vinculados ao movimento Comunione e Liberazione (CL) desenvolveu uma missão de apoio médico-social em Kiringye (Congo) que teve continuidade em uma série de projetos de cooperação da AVSI até 1976 (CAMISASCA, 2004).
Sem com isto minimizar a importância da supracitada experiência fundadora, prática da missão leiga por si só não justifica o surgimento da AVSI. Tal prática havia marcado a atuação do Giuventù Studentesca (GS), grupo de secundaristas católicos no qual Alberti fora engajado e que, em 1969, viria a transformar-se no movimento CL (BONATO, 2017). Criada pelo sacerdote Luigi Giussani em 1954 – ano em que passou a ministrar aulas no Liceo Classico Berchet, em Milão – a GS se expandiu em pouco tempo para o meio estudantil da região de Milão (BONATO, 2017). A GS se estruturou em torno de três dimensões: cultura, caridade e missão. A missão assume lugar especial na doutrina de don Giussani, que buscou viabilizar que “os próprios leigos se tornassem agentes ativos na obra missionária” (BONATO, 2017, p.152) e visava, com isso, projetar a GS em escala Global. A fundação da AVSI no início dos anos 1970 permitia, portanto, àquele grupo de jovens leigos que havia se formado no GS, dar continuidade a prática que havia sido iniciada em 1961 – com a chegada do primeiro grupo de missionários leigos no Brasil, em Belo Horizonte.
A opção por denominá-la como uma associação de “voluntários”, no entanto, não é casual neste contexto. Pouco antes da missão no Congo, promulgou-se na Itália a Lei n.1222, de 15 de dezembro de 1971, que tinha por objeto apoiar programas de cooperação técnica com países em via de desenvolvimento visando cumprir com “os compromissos decorrentes da participação italiana em programas promovidos para o mesmo fim por organismos e organizações internacionais” (ITÁLIA, 1979, art. 1). Dentre as possibilidades de acesso aos fundos governamentais para esta finalidade, especificou-se esta Lei a figura do “voluntariado civil”. Desta forma, a AVSI obtém seu registro no Ministério de Assuntos Estrangeiros da Itália (MAE) em 1973, passando a ser identificada, desde então como uma organização para cooperação internacional. Passados seis anos de seu registro, a Lei 38 de 9 de fevereiro 1979 revisaria a supracitada normativa a fim de, entre outros, ampliar o escopo das iniciativas e programas por ela apoiados e explicitar sua pertinência aos acordos e fóruns da Comunidade Econômica Europeia (ITÁLIA, 1979). Incluia-se também, por meio desta, a possibilidade de acessar aos fundos europeus e de organismos internacionais (ITÁLIA, 1979, art. 2).
A vinda da AVSI ao Brasil ocorreria neste momento em que a associação de voluntários não representava mais somente os interesses da Itália, mas também aqueles da CEE. Em 1981, don Giussani teria entrado em contato com Alberti para verificar se era possível apoiar o trabalho que membros da CL – e antigos colegas da GS – vinham desenvolvendo em Belo Horizonte (ALBERTI, 2009). Tratava-se aqui do Padre Pigi Bernareggi – que veio ao Brasil em 1964, em uma das missões leigas da GS – e de Rosetta Brambilla, que chegou em 1975 e aderiu ao trabalho desenvolvido por aquele sacerdote em sua paróquia, no bairro 1o de Maio em Belo Horizonte (CAMISASCA, 2004). O primeiro projeto de cooperação da AVSI no Brasil aprovado junto ao MAE foi de um curso de formação: “O projeto previa cursos [de formação] simples (eletricista, carpinteiros) aos jovens do bairro 1o de Maio e os locais eram fornecidos pela paróquia de padre Pigi” (ALBERTI, 2009, p.17). O projeto contava com Rosetta Brambilla e seu marido como voluntários e a contrapartida da associação Jovens e Adultos a Serviço da Comunidade (JASC), fundada por Pe. Pigi alguns anos antes (ALBERTI, 2009).
A ação inicial da AVSI em Belo Horizonte ocorre como um dos primeiros casos de cooperação internacional e conformação de um “terceiro setor” na abordagem de questões urbanas e sociais na cidade[7]. Vale ressaltar o termo ONG começava a ser difundido naquele momento no país. A AVSI no Brasil representava, portanto, uma das pioneiras em uma categoria que viria a ser institucionalizada somente em 1995, com Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado de Fernando Henrique Cardoso: as chamadas Organizações Sociais (OS). O registro como OS permitiu, a partir de então, que organizações da sociedade-civil pudessem firmar contratos com entes Estatais para a realização de serviços de ordem pública. Posteriormente, em 1999, a lei que institui as OSCIPs, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, sofisticaria esta categoria, ampliando as possibilidades de atuação dessas organizações junto ao Estado. Atualmente, a classificação adotada oficialmente é a de Organizações da Sociedade Civil (OSCs), uma vez que em 2014 foi aprovado o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil que, além de oficializar outras categorias jurídicas para a colaboração entre Estado e ONG, as unificou sob um mesmo texto na designação abrangente de OSC. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) a respeito das OSCs presentes em Belo Horizonte (gráfico 1) permitem visualizar o expressivo crescimento destas instituições entre os anos 1970 e 2018.
GRÁFICO 1 – Evolução da quantidade de OSCs por ano de Fundação
Fonte: elaborado pelos autores com base em dados do IPEA. Disponível em: https://mapaosc.ipea.gov.br/analise-perfil.html?localidade=3106200. Acesso em 13 de maio de 2020.
Curiosamente, a inexistência de um marco regulatório não impediu que a AVSI estabelecesse contratos para prestação de serviços a entes públicos ainda nos anos 1980. A chegada da AVSI no país coincide com o reconhecimento das favelas pelo planejamento urbano. Em 1983, aprovou-se em Belo Horizonte a lei do Profavela (Lei Municipal no 3.532, de 6 de janeiro de 1983), que incluía pela primeira vez as vilas e favelas no zoneamento oficial da cidade, além de instituir diretrizes para urbanização e regularização destas[8]. Esta lei é destacada por Novara (2003) como marco do início da atuação da AVSI nas questões urbanas da cidade. De fato, por intermédio da atuação de Bernareggi como pároco na Vila Primeiro de Maio, bem como na Pastoral de Favelas, a AVSI realiza sua primeira ação com abordagem urbanística. Logo após a aprovação da Lei do Profavela, em maio de 1984, chegam a Belo Horizonte dois missionários leigos vinculados ao CL, Anna e Livio Michielini[9], incumbidos de operacionalizar um método participativo para urbanização de favelas em nome da AVSI, contando para tanto com financiamento da União Européia (ALBERTI, 2009). Após um grande esforço de negociações, os Michielini envolvem o Governo do Estado, na figura do Programa de Desenvolvimento de Comunidade (Prodecom), a Sociedade Mineira de Cultura (SMC) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC), representadas pelo Bispo Dom Serafim, e a Universidade de Bolonha (UniBo), na figura do engenheiro Roberto Mingucci, para realizar o projeto. Sob as instruções de Bernareggi e Rosetta Brambilla, realiza-se então a urbanização de parte da Vila Primeiro de Maio, uma das primeiras a ser realizada na cidade (ALBERTI, 2009; URBEL, 2011).
Após a conclusão dessa experiência piloto, a AVSI pleiteia nova remessa de recursos junto ao MAE para que os Michielini coordenassem projetos de regularização fundiária. Desta vez, fora firmado um termo de Cooperação Técnico-Financeira entre AVSI, Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social, SMC e a Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (URBEL), representando a administração municipal – aprovado por meio da Resolução 1113/1988. O termo visava “possibilitar a desapropriação e a legalização de terras ocupadas por favelas no município de Belo Horizonte, sejam do Estado, Prefeitura ou de particulares, com a titulação em favor dos moradores locais” (BELO HORIZONTE, 1988). O projeto nomeado Grande Profavela contou mais uma vez com a colaboração de engenheiros da Universidade de Bolonha e concluiu, até o ano de 1992, o levantamento topográfico de 20 favelas de Belo Horizonte, dentre elas, a Vila Primeiro de Maio (ALBERTI, 2009). O sucesso do trabalho iniciado na capital mineira, e estendido a outras seis cidades, permitiu seu reconhecimento internacional em 1995, quando Anna e Livio Michielini foram agraciados com o prêmio Global 500[10], do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, por “terem influenciado as condições de vida na Terra como membros ativos da comunidade” (ALBERTI, 2009, p.22).
O Grande Profavela marca o início de uma série de parcerias da AVSI com o poder público para a realização de melhorias urbanísticas em vilas e favelas. O “modelo” aplicado convergia mão de obra, tecnologia e recursos da comunidade beneficiada – na forma de autoconstrução –; do poder público local – a partir das agências de planejamento –; e da ONG, trazendo tecnologia estrangeira e recursos de financiamentos internacionais. Em 1994, iniciou-se o “Programa Alvorada”, que previa inicialmente a realização de projetos de intervenção estrutural em cinco favelas em Belo Horizonte, mas acabou restringindo-se às vilas Senhor dos Passos, Ventosa e Apolônia (BEDÊ, 2005; CONTI, 2004). Apenas a Vila Senhor dos Passos teve seu projeto de urbanização implementado, fruto da parceria entre a AVSI, a URBEL e a empresa Diagonal Consultores Associados, com financiamento internacional do MAE para a primeira fase e nas etapas posteriores do Pró-Moradia e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (BEDÊ, 2005). O Alvorada seria reconhecido como uma das “boas práticas” apresentadas em 1996 na conferência de Istambul (UNCHS, 2000). Neste mesmo evento, o Programa “Ribeira Azul”, realizado pelos Michielini em Salvador, foi apresentado pelo gerente de projetos do Banco Mundial como “exemplo de abordagem integrada e participativa de luta contra a pobreza urbana” (ALIANÇA, 2008, p.2). O reconhecimento dos dois projetos deu-se, substancialmente, pela consonância com três aspectos defendidos na declaração de Istambul: a promoção de organizações comunitárias e não-governamentais como agentes da participação popular e transparência; a promoção de políticas de produção de habitação popular a partir de autoconstrução; e a asseguração do direito de posse da terra nos assentamentos informais (UN, 1996, p.33-41).
Todas estas iniciativas ocorrem antes mesmo da regulamentação das categorias supracitadas, da cooperação entre ONG e poder público, e contribuíram, em certa medida, para a instrumentalização destas. Importante destacar como esta atuação pioneira da AVSI enquadra-se no conceito da “confluência perversa”, proposto por Evelina Dagnino (2004). Se, por um lado, a aplicação desse modelo viabiliza as primeiras intervenções estruturantes do poder público em vilas e favelas, com participação ativa da comunidade local e respeito aos assentamentos preexistentes; por outro, minimiza o papel das nascentes instituições de planejamento estatais e a interlocução destes órgãos com as organizações comunitárias, em favor de uma “terceirização” deste papel para a ONG e a “cooperação internacional”. Vale ressaltar que todo esse processo ocorre em um momento de erupção do receituário neoliberal para as cidades.
A “Agenda Urbana do Ajuste”, como descreve Arantes (2006), opera como uma espécie de “Consenso de Washington” para as cidades. Em um momento em que os países do Terceiro Mundo eram acometidos pelas crises de dívida da década de 1980, as administrações municipais precisam apelar para a cooperação internacional para realização de projetos urbanísticos e de habitação. Assim, os financiamentos internacionais chegam às cidades carregados de condicionantes, muitas vezes associados a medidas de privatização e terceirização das intervenções de responsabilidade pública, em nome da “boa governança”. Nesse sentido, o caso da AVSI representa também a concessão do espaço do planejamento público – que começava a reconhecer as vilas e favelas –, para uma ONG associada à cooperação internacional.
Assim, configura-se uma confluência pioneira entre setores marginalizados da sociedade e poder público e a aplicação do modelo hegemônico incipiente, baseado na substituição poder público por entidades do terceiro setor. A perversidade desta confluência se coloca no sentido de que essa aproximação via sociedade civil unifica projetos de “direções opostas e até antagônicas”: a inclusão da população carente no planejamento formal e a isenção progressiva do Estado de seu “papel de garantidor de direitos, através do encolhimento de suas responsabilidades sociais e sua transferência para a sociedade civil” (DAGNINO, 2004, p.142). No caso específico da AVSI, no entanto, a articulação entre participação popular e ONG a frente da urbanização de assentamentos informais não teria sido possível sem o intermédio da Igreja Católica, como veremos na sequência.
- A atuação da Igreja em vilas e favelas
A atuação da Igreja católica em vilas e favelas no Brasil, o surgimento de pastorais ligadas à questão urbana – como a Pastoral de Favelas – e o engajamento das Comunidades Eclesiais de Base em lutas que conduziram à construção do Movimento da Reforma Urbana envolvem-se em uma complexa trama transescalar que assume distintas temporalidades. No curto tempo, e sob a perspectiva brasileira, estas atuações surgem como resposta à “extrema precariedade dos assentamentos periféricos, a absoluta ausência do Estado na implementação de políticas habitacionais e urbanas durante décadas” nestes locais que não eram contemplados com as políticas do BNH, como destacam Ferreira e Motisuke (2007, p.43). Sob a perspectiva da longa duração, verifica-se que as supracitadas ações se inserem no bojo de diversas reações eclesiais ao processo de secularização em âmbito global.
Em meados do século XX a Igreja católica dá sinais de preocupação com a laicização promovida pelo avanço do capitalismo e com a significativa diminuição do número de fiéis na Europa[11]. Na América Latina, na África e na Ásia, não obstante, assistiu-se um crescimento progressivo no número de católicos ao longo daquele século, sobretudo até a década de 1970, momento em que o catolicismo se consolidou “como uma religião na qual 67,31% dos fiéis se encontravam fora do continente europeu” (BONATO, 2017, p.147). A partir dos anos 1950, verifica-se uma série de encíclicas papais que visavam promover e modernizar as ações missionárias nestas regiões, deixando menos claros os objetivos de conversão e buscando maior ênfase na questão social. O Concílio do Vaticano II (1959) e a encíclica Mater et Magistra (1961) forneciam, nesta conjuntura, “os motivos para que a ação missionária fosse repensada concretamente como uma abertura da Igreja ao mundo e aos problemas sociais em escala planetária” (BONATO, 2017, p.146).
A América Latina assume um lugar especial neste cenário. Se, por um lado, nela o número de fiéis quadruplicou entre 1900 e 1970, quando concentrava 40,38% dos católicos do mundo; por outro, a Revolução Cubana (1959) e a possibilidade do avanço do comunismo sobre o subcontinente representavam uma possível ameaça para a hegemonia católica, exigindo atenção especial.
É neste contexto de abertura para o mundo e para os problemas sociais que se pode compreender a controversa encíclica Populorum progressio (1967), na qual o papa João VI clamava pela necessidade de promover o desenvolvimento dos povos e apresentava críticas à propriedade privada e ao avanço do capitalismo. Refutada pelas alas conservadoras do clero, esta encíclica teria especial importância para legitimação da atuação da Teologia da Libertação na América Latina, nos anos 1970, e para a atuação da Pastoral de Favelas ao final daquela década (BRUM, 2018):
A terra foi dada a todos e não apenas aos ricos. Quer dizer que a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto. Ninguém tem direito de reservar para seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando a outros falta o necessário. Numa palavra, o direito de propriedade nunca deve exercer-se em detrimento do bem comum, segundo a doutrina tradicional dos Padres da Igreja e os grandes teólogos. (POPULORUM PROGRESSIO,1967)
Por um lado, a carta papal dirigia-se à uma questão tipicamente latino-america – região em que as barriadas, villas de miséria, campamentos e favelas representavam ao menos um terço da população urbana. Por outro, a defesa da posse em detrimento da propriedade privada retomava sob nova roupagem uma prática daquela instituição religiosa que havia sido legalmente extinta, no contexto brasileiro, em meados do século XIX: o aliciamento de fiéis vinculado ao acesso à terra urbana. Os fregueses[12] de outrora, tornavam-se agora os favelados; permanecia a posse da terra urbana associada à fidelidade à uma paróquia.
Ainda que a propriedade privada da terra tenha sido regulamentada em 1850, a prática de sua concessão no meio urbano, com ou sem pagamento de foro, permaneceu sendo praticada nas primeiras décadas do século XX, tanto pelo poder público, quanto pelo eclesial – mesmo no contexto de uma cidade construída ex novo, como Belo Horizonte[13]. Coincidentemente, o local que viria a servir de laboratório e vitrine para a atuação da AVSI para intervenção estrutural em favelas (BEDÊ, 2005), a Vila Senhor dos Passos, teve sua origem em 1914 vinculada à outorga da posse da terra a famílias pobres por intermédio da Igreja[14].
A encíclica de João VI permitia, portanto, retomar essa prática secular sob outro contexto; a Igreja parecia, na América Latina dos anos 1970, ter feito a “opção pelos pobres” – como fora destacado na III Conferência Episcopal Latino-americana em Puebla (México) em 1978 (BRUM, 2018). No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte observa-se, neste momento, o surgimento de pastorais que vão deslocar o interesse da moradia para a oposição às remoções e para a defesa da legitimidade da posse da terra urbana: as Pastorais de Favelas. Ao contrário de sua correlata carioca, cujo ato inaugural se deu na resistência à remoção do Vidigal em 1977 (BRUM, 2018), a instituição da Pastoral de Favelas pela Diocese de Belo Horizonte deve-se diretamente ao trabalho desenvolvido pelo Padre Pigi (ALBERTI, 2009; NOGUEIRA, 2016).
Pigi Bernareggi chegou ao Brasil em 1964, no contexto uma das missões da Giventù Studentesca (BONATO, 2014)[15] e ingressou no seminário em Belo Horizonte juntamente com outros dois colegas da GS. As tensões desencadeadas pelo Golpe Militar, no entanto, logo comprometeram a presença destes missionários no país; Pigi fora o único dentre seus companheiros que decidiu por permanecer (CAMISASCA, 2004).
Desde 1962, os missionários da GS então estabelecidos Belo Horizonte desenvolviam ações de caridade do atual bairro Primeiro de Maio, então nomeado, Vila Operária; tratava-se, naquele momento de “realizar trabalhos com crianças pequenas e gestantes, e a oferecer orientações sobre higiene, hábitos sanitários e alimentares” (BONATO, 2017, p.154). O primeiro contato de Pigi com aquele assentamento que viria a ser a sede de sua paróquia, no entanto, ocorreu apenas em 1965, no quadro de suas atividades junto ao Seminário:
Primeiro encontro que eu tive com esse povo foi quando eu era seminarista (…), por que eles nos mandavam no fim de semana – como fazem até hoje – a fazer trabalho de pastoral, cada um num canto. E eu fui mandado para o Primeiro de Maio, em 1965, sábado e domingo. Mas foi um tempo fantástico, porque foi ali que eu descobri a beleza da favela. A gente vem da Itália com aquela ideia de que a favela é o câncer da cidade, que tem que expulsar os favelados… ao passo que a gente viu a maravilha da favela. (BERNAREGGI, 2019, entrevista)
Iniciava-se, desta forma, um diálogo com esta favela que levaria, primeiramente, ao seu envolvimento, ainda como seminarista, nas Obras Sociais Senhora da Glória e culminaria, em 1969, com sua decisão de ir morar ali (CAMISASCA, 2004). Segundo Bernareggi (2019), teria sido Frei Cleto, responsável pela criação das supracitadas Obras Sociais, quem teria lhe ensinado a amar os favelados e a dedicar-se a eles. A fundação da Paróquia de Todos os Santos naquele local, no entanto, deveria esperar quase uma década:
A nossa paróquia foi criada em 1977, juntando as favelas das duas paróquias do lado, que não queriam saber das favelas. Então [a paróquia do] Primeiro de Maio veio [parte] do bairro São Paulo e do Providência do Aarão Reis. As duas paróquias desistiram dos pobres e fizeram a paróquia que eu fui trabalhar nela! (BERNAREGGI, 2019, entrevista)
A partir de 1974, o Movimento de Favelados começou a se rearticular na capital mineira (NOGUEIRA, 2016). Em janeiro 1975, Padre Pigi descrevia seu envolvimento junto a esse movimento da seguinte forma: “Estamos tentando criar um novo mundo entre os favelados, um mundo que nasça de uma relação de origem diferente” (BERNAREGGI, 1975, apud CAMISASCA, 2004, p.262). A pressão social e o trabalho iniciado por Bernareggi permitiram a fundação da Pastoral de Favelas em 1977 (CONTI, 2004), cujas reuniões ocorriam na própria sede da Arquidiocese de Belo Horizonte, em um “barraco de madeira ao lado da casa do bispo” (NOGUEIRA, 2016, p.65). Esse movimento ganharia novos impulsos ao final da década, quando as fortes chuvas de 1978 e 1979, somadas as remoções que eram então promovidas pela CHISBEL junto a linhas de drenagem e córregos, levaram a um grande número de desabrigados (CONTI, 2004). A resposta do Governo do Estado viria na forma do Programa de Desenvolvimento de Comunidades de 1979, o PRODECOM, que tinha, dentre suas quatro linhas de ação, uma destinada ao desenvolvimento de projetos “de melhorias urbanas em favelas e bairros periféricos da região metropolitana de Belo Horizonte” (PRATES, ANDRADE, 1985, p. 136)[16].
A luta pela regularização fundiária logo se tornou a principal reivindicação da Pastoral Geral de Favelas, dirigida por Padre Pigi até o ano de 1981[17]. Neste contexto, sua atuação junto ao movimento dos favelados foi fundamental para a aprovação do PROFAVELA em 1983 (CONTI, 2004, NOGUEIRA, 2016). Padre Pigi chegou a se envolver diretamente na luta pela posse da terra urbana em prol dos favelados, narrando da seguinte forma o movimento de enfrentamento a um grileiro no Primeiro de Maio:
Foi uma briga tremenda com um sujeito, um tal de Hélio Gama! Hélio Gama era um sujeito sem vergonha, vivia grilando terra. […] Entrou com um projeto na justiça e o juiz deu a ele posse de um terreno que era público! […] Só que nós tínhamos consciência de que quem tinha que ter a posse somos nós moradores do lugar. Por que é terreno público! […] Então o que que acontece, um dia tal, um sábado como sempre, chega a polícia com quatro ou cinco […] viaturas, e começam a marcar o perímetro com postes de arame farpado. Nós ficamos sabendo disso… eles punham o poste e nós vínhamos atrás e tirávamos o poste! Por que a lei diz que, em falta de tempo, você tem condições de se defender com suas próprias forças. Isso gerou um processo que demorou cinco anos, do qual eu fui salvo por que o advogado que tomava conta de mim entrou com o recurso de prazo, por que, se não, eu tinha que ser preso dentro do conceito da ditadura militar. (BERNAREGGI, 2019, entrevista)
Na segunda metade da década de 1980, face ao enfraquecimento da atuação das Pastorais de Favela – tanto em Belo Horizonte, como no Rio de Janeiro (NOGUEIRA, 2016; BRUM, 2018) –, Padre Pigi articula um novo movimento para dar prosseguimento a sua luta. O contato com moradores da Vila Primeiro de Maio que viviam de aluguel, sob grande instabilidade e a constante possibilidade de encontrarem-se desabrigados, motivou seu envolvimento na constituição da Associação dos Moradores de Aluguel da Grande Belo Horizonte (AMABEL), em 1985 (NOGUEIRA, 2016). Por meio desta instituição, o pároco passou a atuar diretamente na realização de loteamentos comunitários destinados a abrigar os sem-casa, com ou sem auxílio e consentimento das autoridades (CAMPOS, 2013, p.27-29).
A minha paróquia aqui tinha um lote lá embaixo, dos vicentinos, das famílias que ficavam na rua, despejados e tal. Então mandavam lá para aquele lote. Só que o lote cabia 10, 15 famílias no máximo, não cabia mais nada. Quando chegou a décima sexta família o quê que eu ia fazer? Eu falava: Oh gente, eu não tenho mais nada, o quê que eu vou fazer? Então junta os seus colegas, os seus amigos, […] gente que mora de aluguel, gente que mora num lote só, pobres, miseráveis, o povo dava, discutiu aqui nesse salão aqui é… a ideia foi: Vamos criar uma associação de luta pela moradia de baixa renda [AMABEL], vamos batalhar. Que nós não temos terra aqui. Só se pode construir se tiver terreno. Então vamos trabalhar. Então nós colocamos um encontro grande com o prefeito [Sérgio Ferrara] – nós chamamos o prefeito – o presidente da Câmara dos Vereadores e tal e tal e o Ferrara foi muito simpático à ideia, pegou o secretário de ação comunitária dele e jogou em cima dessa problemática. De fato foi um choque. Em três anos construímos 20 mil moradias, em Belo Horizonte, de baixa renda, de 0-3 salários mínimos. Coisa que nunca aconteceu nessa cidade. (BERNAREGGI, 2013, entrevista apud CAMPOS, 2013, p.30).
A partir da AMABEL, Pe. Pigi articulou a criação dos loteamentos Jardim Felicidade, Novo Aarão Reis, Paulo VI, Castanheira-3, Capitão Eduardo, Beija-Flor e Jardim Filadélfia (CAMPOS, 2013, p.31), empregando a lógica dos mutirões e da autoconstrução, em parceria com os sem-casa mobilizados pela associação e, por vezes, com o apoio do poder público. Posteriormente, o Pe. desliga-se da AMABEL, por conta de conflitos internos, e forma a Central Metropolitana dos Sem-Casa (CEMCASA), instituição a partir da qual dá prosseguimento à iniciativa dos loteamentos populares, porém, com menores relações com o poder público e, inclusive, com a Igreja Católica, na figura da Arquidiocese de Belo Horizonte, adotando uma postura progressivamente autonomista (CAMPOS, 2013, p.31-34).
A despeito do envolvimento pessoal de Padre Pigi, a defesa do direito de posse não tratava um movimento católico restrito ao contexto de Belo Horizonte. Efetivamente, nos primeiros anos da década de 1980, verifica-se a edição de uma sequência de textos da Conferência Nacional dos Bispos que tratavam da questão do acesso à terra urbana e legitimavam a atuação das Pastorais de Favelas: “Propriedade e Uso do Solo Urbano: situações, experiências e desafios pastorais”, em 1981; “Solo Urbano e Ação Pastoral”, em 1982, entre outros. Neste último documento, por exemplo, a CNBB se manifestava publicamente contra à política de remoção de favelas, denunciava a inadequação do direito de propriedade e a ausência de uma legislação que regulasse a função social da terra urbana (CNBB, 1982). Reconhecia-se a favela como o início de uma solução empreendida pelos próprios modadores:
Consciente, cada vez mais, da capacidade do povo em resolver seus próprios problemas, a Igreja incentiva-o a participar de todas as decisões que lhe dizem respeito, apoiando as diversas formas de organização e de mobilização populares, tais como os movimentos de defesa dos favelados. (CNBB, 1982, p.14)
O primeiro projeto de cooperação desenvolvido pela AVSI no Brasil coincide com este momento de efervescência da luta pela segurança da posse da terra urbana, na qual o agente local da CL que vieram apoiar – ou talvez proteger? –, a pedido de Don Giussani (ALBERTI, 2009), estava completamente envolvido[18]. É possível imaginar que os missionários envolvidos com esta ONG italiana tenham encontrado uma realidade distinta da que imaginavam. O projeto inicial de cooperação que viabilizara sua vinda no início dos anos 1980, o de formação profissional, inseria-se na sequência de ações humanitárias que eram desenvolvidas pela AVSI na África e dava, de certa forma, continuidade às missões leigas iniciadas pela GS. Os voluntários encontram em Belo Horizonte, no entanto, uma paróquia e uma pastoral profundamente engajadas na disputa pela terra urbana em prol dos favelados, ambas dirigidas por Padre Pigi. Não por acaso, o segundo projeto que desenvolveriam no Brasil voltava-se justamente para a regularização fundiária, cujo experimento piloto, executado no Primeiro de Maio, seguiria as instruções diretas do Padre Pigi (ALBERTI, 2009). Tratava-se, portanto, de adequar a pauta de cooperação à demanda local.
- Sínteses instáveis e transescalaridade: a Segurança da Posse e a AVSI
Por meio dos dois percursos narrativos empreendidos nos capítulos precedentes observa-se como, no decurso dos anos 1980 e início dos anos 1990, dois movimentos opostos parecem encontrar na regularização da posse da terra urbana – e na luta dos favelados – um lugar comum. Por um lado, um que, na defesa do resgate do papel secular da paróquia – a associação entre chão, fiéis e Igreja –, olha para o território em que vivem ao menos 35% da população urbana (CNBB, 1982), em franca expansão face à intensa urbanização brasileira dos anos 1970 e 1980, como possibilidade de ampliar sua inserção e aproximar-se de devotos fiéis. O outro movimento, sob a perspectiva oposta, vê nestes territórios novas possibilidades de ativos para a fluxo de capital internacional (ROLNIK, 2015). Para um, a posse territorializa; para o outro, desterritorializa. A crítica à propriedade privada – cuja regulamentação constituiu o cerne para o avanço do capitalismo – aparece para o primeiro como parte de uma resistência ao processo de secularização. Para o segundo, estes últimos bastiões da posse representam um nicho ainda não coberto pelo capital flexível internacional; a defesa de sua garantia aparece, neste contexto, como uma possibilidade de ampliação de mercado.
Entende-se, nesta conjuntura, que o Banco Mundial tenha respaldado no início dos anos 1990 o projeto Novos Alagados – Programa Ribeira Azul – que a AVSI desenvolvia em Salvador (ALBERTI, 2009; ZUIN, 2005), bem como que assuma a defesa de intervenções estruturais participativas em favelas na Conferência Habitat II. A mudança da perspectiva faz com que estes espaços – antes vistos como problema, agora como o início de uma solução – sejam legitimados como fruto “um investimento de recursos implementados com o engajamento e esforço de grupos organizados de sem-teto” que deveria ser “reconhecido e integrado à cidade, aprimorado do ponto de vista urbano e social, mas certamente não eliminado e destruído” (MICHELINI, 2009, p.204).
A ONG assume, para tanto, o papel de intermediário preferencial. Anna Michelini (2009) destacava a importância do profissionalismo, da capacidade de autocrítica e a flexibilidade como características fundamentais para a condução de intervenções participativas em favelas. Corroborando com a perspectiva defendida pelo Banco Mundial, a socióloga da AVSI afirmava que por “essas razões, e pelo papel de intermediário entre os diferentes atores, essa função é melhor desempenhada por sujeitos externos, distintos dos órgãos públicos promotores e executores” (MICHELINI, 2009, p 212).
Talvez seja justamente na busca deste intermediário externo ao poder público que se possa compreender que, a despeito dos interesses opostos envolvidos em cada um destes dois grandes movimentos, uma complexa trama tenha permitido sua associação momentânea. Nesta coesão incidental, compreende-se tanto o fato de que a Fundação Ford tenha financiado as ações da Pastoral de Favelas no Rio de Janeiro entre 1981 e 1986 (BRUM, 2018), quanto o apoio da CEE à atuação da AVSI em Belo Horizonte.
Nesta disputa pelos favelados, contudo, a balança parece ter pendido, com o passar dos anos, para a profissionalização e especialização das ONGs laicas. Analisando-se os dados do IPEA sobre as OCs atuantes em Belo Horizonte nas questões referentes à habitação, meio ambiente e assistência social – ver gráfico 2 –, observa-se que participação em as organizações civis de natureza religiosa reduziu-se a apenas 6[19] em um contexto de mais de 692 OCs vigentes em 2020.
GRÁFICO 2 – Natureza Jurídica das OSCs atuantes em Belo Horizonte
atuantes em Habitação, Meio Ambiente e Assistência Social
Fonte: elaborado pelos autores com base em dados do IPEA. Disponível em: https://mapaosc.ipea.gov.br/analise-perfil.html?localidade=3106200
Se, numa perspectiva macro, a AVSI aparece como um híbrido entre a missão leiga e a especialização do Terceiro Setor, quando se analisam de forma aproximada suas redes e articulações locais e internacionais este imbricamento torna-se mais complexo. O diagrama 01 mostra o rearranjo constante entre instituições e agentes de ordens diversas – religiosos, missionários leigos, universidades e agências de financiamento internacionais, entes governamentais, instituições públicas, privadas e filantrópicas – que viabilizou a atuação da AVSI em Belo Horizonte entre os anos 1980 e meados dos anos 1990.
Observa-se, num primeiro momento, como Padre Pigi Bernareggi e Rosetta Brambilla aparecem como membros isolados da CL em Belo Horizonte. A chegada da AVSI, em 1981, amplia a presença da CL no território local e cria uma nova rede de proteção para as ações que ali vinham ocorrendo: não se tratava mais apenas da ação de religiosos e missionários engajados junto às causas populares, uma vez registrada junto ao MAE, e contando com seu apoio financeiro, AVSI representava também os interesses da CEE, como explicitava a Lei italiana n.38/1979.
Observa-se, no entanto, que a rede de agentes e instituições em que se insere a colaboração da AVSI muda de configuração após a aprovação do PROFAVELA em janeiro de 1983: amplia-se a participação de setores e financiamentos públicos locais. Alberti (2009) relata seu envolvimento direto, como presidente da AVSI, e do engenheiro Roberto Mingucci – da Universidade de Bolonha (UniBo) – em negociações junto a uma complexa rede figuras religiosas e políticas para conseguir viabilizar este projeto piloto. Sob esta nova conjuntura, ainda que a motivação inicial do então jovem casal Michelini em ir a Belo Horizonte fosse a possibilidade de realizar uma “missão seguindo o caminho de educação para fé do movimento CL” (ALBERTI, 2009, p.19), constata-se um primeiro passo para a profissionalização da ação junto aos assentamentos precários com o envolvimento da Universidade de Bolonha e da PUC Minas. Por meio desta parceria inicial para urbanização do Primeiro de Maio, ainda sobre forte influência do Padre Pigi, empregam-se pela primeira vez instrumentos então avançados para levantamentos topográficos (MINGUCCI, 2009).
Se o experimento piloto se viabiliza por meio de uma série de negociações com agentes locais, sua continuidade ocorreria em um contexto de menor incerteza; obtém-se, com o aval da Câmara Municipal, um contrato de cooperação técnica para regularização fundiária com a recém criada URBEL. Paralelamente, entre 1988 e 1989, inicia-se a parceria entre a Universidade de Bolonha e a PUC Minas para a capacitação em técnicas de levantamento topográfico automatizado em favelas e de Sistemas de Informação Georreferenciadas por meio de cursos de pós-graduação (MINGUCCI, 2009). Os Michelini, por outro lado, começam a amadurecer um método participativo (idem).
Junto com a progressiva expertise da AVSI na urbanização participativa de vilas e favelas, paulatinamente constitui-se, em torno de sua atuação, a multiplicidade de atores públicos e privados que passaria a ser defendida por instituições internacionais para este tipo de intervenção: órgãos governamentais em distintos níveis e competências; comunidade e grupos diretamente afetados; organizações sem fins lucrativos ou ONG com intermediários para a representação da população; setor privados de empresas e corpo técnico e profissional (MICHELINI, 2009). A ação missionária, portanto, se profissionaliza a medida em que se associa a novos atores e sua rede se complexifica. A AVSI distancia-se progressivamente das ações de caridade e aproxima-se dos organismos internacionais, torna-se referência nacional e internacional no assunto.
DIAGRAMA 1 – Redes e conexões da AVSI em Belo Horizonte
Fonte: Produzido pelos autores com base em Alberti (2009), Bedê (2005), Novara (2003) e Bernareggi (2019).
Em 1992, os Michelini partem rumo à Salvador para condução do projeto de Novo Alagados (1993-2001) e a coordenação dos trabalhos da AVSI em Belo Horizonte é assumida por Enrico Novara, engenheiro sem uma vinculação clara com a CL[20]. Para conduzir os trabalhos do Programa Alvorada em 1994 – cujo protocolo de intenções havia sido firmado como a gestão municipal anterior, em 1992 (CONTI, 2004) –, Novara contou com a participação de uma empresa privada, a Diagonal consultores associados, e de funcionários integrantes do corpo técnico da URBEL, deslocados de suas funções usuais para este fim (BEDÊ, 2005). Cristina Magalhães – funcionária da URBEL responsável pelo Programa Alvorada durante a gestão da Frente Popular em Belo Horizonte (1993-1996) – afirmava que, dentro dessa empresa pública, se tinha a impressão que o “Alvorada era uma outra empresa” (MAGALHÃES, 2005, apud BEDÊ, 2005, p.189). Através dos produtos da primeira fase do Programa Alvorada (1994-1996), parcialmente desenvolvidos nas vilas Apolônia e Ventosa e implantados na Vila Senhor dos Passos entre 1994 e 2005, constitui-se um método de intervenção em favelas que serviria de base para os futuros Planos Globais Específicos, desenvolvidos ou contratados pela URBEL.
Paradoxalmente, coetaneamente a construção de um tipo de intervenção em vilas e favelas que preza pela autonomia de seu planejamento em relação às instituições governamentais, observa-se uma significativa ampliação da participação de recursos de investimentos públicos para sua realização. Se na primeira cooperação entre a AVSI e a URBEL os aportes do MAE e da CEE superavam os financiamentos locais, para o Programa Alvorada contou-se sobretudo com recursos públicos de diferentes instâncias governamentais – ver gráficos 3 e 4. O orçamento inicialmente destinado para o Alvorada não foi suficiente; precisou-se complementá-lo primeiramente “com um financiamento tomado pelo Município através do Programa Pró-Moradia” e, a partir de 2000, com recursos do Programa Habitar Brasil/BID e de contrapartida do Município (BEDÊ, 2005, p.190).
GRÁFICOS 3 e 4 – Financiamento dos projetos de urbanização da AVSI em Belo Horizonte
Fonte: Produzido pelos autores com base em dados disponíveis em UNCHS (2000) .
Tal qual ocorrera com questão da garantia da posse da terra urbana – que paulatinamente deixou de ser uma pauta de reivindicação dos setores progressistas da Igreja Católica para se tornar campo de inserção do capital internacional – observa-se que a AVSI se distanciou de seu papel original de missão leiga do CL para assumir a postura de agente experto internacional em intervenções participativas. Estes deslocamentos são perceptíveis tanto em suas redes, quanto nas figuras que as legitimam. No início dos anos 1980, observa-se a forte presença de religiosos influentes – Dom Giussani, Dom Serafim e Mons. Moreira Neves, entre outros (ALBERTI, 2009). Em meados dos anos 1990, o reconhecimento de organismos internacionais ocupam este espaço: atividades da AVSI contam com o apoio do Banco Mundial, são apontadas como referência na Habitat II; em 1996, esta ONG é credenciada como membro consultivo do Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC) (ZUIN, 2005). Em ambos os casos, a síntese entre os dois grandes movimentos históricos opostos analisados ao longo deste artigo – a resistência católica e o avanço do capital financeiro internacional – revela-se contingencial.
- Considerações finais
Por meio de uma de uma sequência de saltos escalares – temporais e geográficas –, pôde-se evidenciar a transformação da AVSI em uma ONG atuante em urbanizações a partir de dois prismas opostos. A aproximação de nosso objeto de análise a cada uma destas perspectivas, seja a católica ou a do capital internacional, mais do que revelar continuidades, explicita disjunções, contradições, que talvez passassem incógnitas tanto nas grandes narrativas quanto no exercício monográfico. Por um lado, AVSI, com sua estrutura complexa híbrida, nos evidencia um momento de confluência entre interesses opostos em torno do direito de posse; por outro, ao aproximar a lente do objeto novas fissuras e lacunas se revelam, trazendo nova complexidade à grande escala.
A atuação da AVSI em Belo Horizonte, entre meados dos anos 1980 e início dos anos 1990, explicita um momento de experimentação de um novo paradigma de planejamento, destinado a intervenções em vilas e favelas, no qual se articulam ONG, instituições religiosas e públicas e movimentos populares locais. Frente as pressões e os enfrentamentos sociais organizados pelo movimento dos favelados, verifica-se, no início dos anos 1980, a sincronicidade entre o início da atenção do poder público para estas localidades e a realização dos primeiros projetos articulados pelo terceiro setor com recursos internacionais.
Uma série de contingências contribuiu para a conformação desta síntese momentânea entre posições divergentes que, em meados da década de 1980, confluirá para a defesa do direito de posse nos assentamentos informais em Belo Horizonte. A primeira delas, seria a capacidade de agregação da figura de Bernareggi, que permanece no Brasil representando o CL, mesmo após a partida de seus companheiros, e que constitui em torno de sua paróquia e da Pastoral de Favelas pontos focais de agenciamento entre as forças de resistência. Em seguida, destacam-se dois processos quase simultâneos e aparentemente contraditórios: a progressiva constituição de instrumentos legais e de corpo técnico no setor público para a urbanização de favelas em Belo Horizonte – nas figuras de Prodecom, Profavela e URBEL –, e o estabelecimento de projetos de cooperação internacional – seja financeira (MAE e CEE), seja técnica (UniBo).
As experiências da AVSI em Belo Horizonte, ultrapassam as fronteiras locais, alcançam o reconhecimento em âmbito internacional. Como resultado dessa confluência momentânea, no âmbito local, o Alvorada torna-se referência de método de intervenção em vilas e favelas e processos participativos (BEDÊ, 2005); no âmbito internacional, integra as práticas replicáveis de “boa governança”, participação social e promoção amenidades urbanas, em portfólios das instituições da cooperação internacional. A organização de expertos, contudo, deve sua especialização ao contexto em que se insere. Em meio a complexas rede de agentes e instituições divergentes em que se insere, a associação que chega a Belo Horizonte com ações de missionários se profissionaliza, torna-se referência internacional.
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[1] Agradecemos, pelo apoio a nossos programas e projetos, às emendas parlamentares recebidas da bancada nº14080008, ao CNPq, à CAPES, à PRPq da UFMG, à PROEX da UFMG, e ao IFMG Campus Santa Luzia. Aos pesquisadores e laboratórios parceiros de outros grupos de pesquisa e instituições de ensino. Aos movimentos sociais com os quais trabalhamos em rede, em diversas lutas urbanas. Finalmente, deixamos nossos mais sinceros agradecimentos a todos os colegas pesquisadores do Indisciplinar que tornam todos os nossos trabalhos coletivos.
[2] A Primeira Conferência das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (Habitat I – 1976) contava com ampla participação de chefes de Estado e tinha como base propostas de regulação dos assentamentos por meio da atuação dos Estados-nação (BALBIM, 2016). Em direção oposta, na Habitat II (1996) o poder centralizado nos Estados foi colocado em xeque, parte significativa das propostas passaria por ações da sociedade civil organizada (RABELO e FANTIN, 2017).
[3] Usaremos, ao longo deste artigo, os conceitos de rede e de atores, sem com isto necessariamente aderirmos, neste momento, à Teoria Ator-Rede de Latour (2000; 2012). Nosso olhar não estará voltado à construção de controvérsias e à sua transformação em caixas-pretas; seguiremos os atores, porém em uma perspectiva transescalar, buscando, mais especificamente, compreender os significados e papéis que desempenham em diferentes contextos geográficos e temporais.
[4] Apenas um, dentre estes depoimentos, foi coletado especificamente para elaboração desta pesquisa: o do Padre Pigi Bernareggi, cedido aos autores em 21 de Outubro de 2019. Para os demais – Arturo Alberti, Roberto Mingucci, Enrico Novara – recorreu-se a entrevistas e depoimentos previamente publicadas entre 2009 e 2005.
[5]Informações disponíveis no site da fundação ASVI – https://www.avsi.org/en/page/who-we-are/80/.Acesso em: 15 de maio de 2020.
[6] Em 2018, a AVSI recebeu 68 bilhões de euros, dos quais, 74% eram de origem pública – cf. AVSI, 2020.
[7] Simultaneamente, atuava em Belho Horizonte também a ONG alemã “Gesellshaft für Technische Zuzammenarbeit – GTZ” que, desde 1983, concentrava seus esforços na criação de trabalho dentro das comunidades e na melhoria das infra-estruturas (cf. CONTI, 2004).
[8] Belo Horizonte e Recife foram pioneiras na elaboração de leis para urbanização de favelas: “Em 1983 e 1987, o governo municipal de Recife institui as ZEIS (Zonas de Especial Interesse Social) e o PREZEIS (Plano de Regularização das ZEIS), respectivamente. (DENALDI, 2002, p.71).
[9] Anna Michelini é socióloga e seu marido, Livio, é físico, ambos atuaram também na PUC Minas como docentes.
[10] No texto sobre o prêmio Global 500 destaca-se que ambos já haviam recebido em 1988 o II International Technology for Development Prize. Ver a respeito em: https://www.global500.org/index.php/thelaureates/online-directory/item/177-anna-and-livio-michelini. Acesso em 15 de maio de 2020.
[11] A Europa tinha, no início do século XX, 68% da população católica do mundo; em 1970 essa proporção caiu para 38% (BEOZZO, 2003, apud BONATO, 2017).
[12] Referimo-nos aqui à vinculação dos fregueses à paróquia, ou freguesia, termos que, segundo Fonseca (2011), “designavam o templo – a igreja matriz –, bem como a povoação que a continha (o arraial), o conjunto dos fregueses, e, por fim, o território paroquial, que incluía a povoação sede, áreas rurais e, por vezes, sertões residuais” (2011, p.85).
[13] Lima (2009) identificou a prática do sistema de aforamento em vilas operárias de Belo Horizonte na década de 1930, a saber: Vila Concórdia, Vila São Jorge ou Morro das Pedras; Vila Conceição ou Pedreira Prado Lopes e Vila Santo André.
[14] Segundo CRUZ et al (2020): “A Localidade onde se situa a vila era uma fazenda, de propriedade de um membro da família Mata Machado, que no início do século passado doou a área, uma mata aberta de fácil ocupação, para que a Igreja pudesse repassá-la às famílias pobres. Os documentos mencionam que os primeiros moradores ali se estabeleceram em meados do ano de 1914.”
[15] As primeiras missões da GS no Brasil ocorrem em 1961, em Belo Horizonte. A partir desta data novas levas de missionários foram se somando ao grupo que era denominado como a “ponta avançada” (BONATO, 2014).
[16] As outras linhas do programa destinavam-se segurança alimentar, melhorias em serviços e projetos de habitação popular (PRATES, ANDRADE, 1985).
[17] Neste ano a Pastoral Geral de Favelas foi desmembrada em Pastorais Regionais (NOGUEIRA, 2016).
[18] No livro de Camisasca (2004) localizamos vários indícios de que Don Giussani acompanhava as ações de Padre Pigi por meio de correspondências e do envio de missionários da CL a Belo Horizonte. Contudo, o livro encerra sua narrativa sobre a CL no ano de 1976, impedindo-nos de verificar se o fundador da CL estava ciente do acirramento das lutas travadas por Bernareggi ao final dos anos 1970.
[19] Dentre estas, 5 foram fundadas entre 1986 e 1994 e apenas uma em 2002 – cf. IPEA, Mapa das OSC.
[20] Em 2003, questionado sobre a relação entre a AVSI e a Igreja Católica, Novara assume uma postura distante sobre este aspecto e não menciona a sua vinculação ao CL: “Sou o coordenador para a América Latina de uma ONG internacional que surgiu na Itália em 1972 denominada Associação Voluntária para o Serviço Internacional – a AVSI. Ela atua por meio de organismos da sociedade civil, que começaram a desenvolver projetos em países em desenvolvimento. Trata-se de uma associação leiga que tem como princípio a doutrina social da Igreja.”(NOVARA, 2003, P.124)