O Orçamento Participativo e a busca por equidade territorial em Belo Horizonte (*)
Gisela Barcelos, Maíra Ramirez Nobre, Henrique Dias Porto
Abstract
This article aims to understand the Participatory Budget (OP) as an instrument of territorial, fiscal and administrative decentralization in order to achieve greater territorial equity in the city of Belo Horizonte – Brazil.
The Brazilian Federal Constitution of 1988 (CF / 88) has as an important purpose to reestablish federalism[1] in Brazil by boosting the decentralization[2] processes. These processes were, at that time, supported by a large majority of civil society actors from both the left and right political spectrum. While the former relied on the idea that an approximation of the decision-making instances of the population would lead to greater participation by civil society, an argument refuted by Treisman (2006) and Inman and Rubinfeld (1997); the second were excited with the possibility of greater competition between states and municipalities.
The constitutional principles of decentralization and participation were important impulses for the implementation of Participatory Budgets in several Brazilian cities, among them, Belo Horizonte. Governed by Patrus Ananias of the Workers Party, the city adopted the PB in 1993, an instrument that ensures that part of the municipal budget will be managed with civil society, seeking to improve urban conditions in more vulnerable locations.
Organized in several stages involving some assemblies open to the community, others restricted to elected representatives (delegates and members of Comforça) and even moments of exclusive participation of city council technicians, the Participatory Budget is an instrument of decentralization within a broader process, which acts in the same direction at national level. This process, which, as can be observed in most federative systems, presents, in addition to decentralizing movements, layers of centralization.
Another central element in the formulation of CF / 88 that is present in the OP is territorial equity. Equity is posed here as a broker of injustices (Rawls, 1997) or as the constitutional possibility of treating unequal persons unequally to the extent of their differences. In this sense, the PB acts as an instrument aimed at reducing territorial inequalities.
Specifically in the case of Belo Horizonte, this equitable character of PB was stronger through the creation (between 1993 and 1996) and incorporation (2000) of the Urban Quality of Life Index (IQVU). It is the elaboration of indicators that evaluate for each Planning Unit (UP) characteristics such as supply, culture, education, sport, housing, urban infrastructure, environment, health, urban services and urban security.
IQVU can be understood from two movements: (i) centripetal force movement within the decentralizing process of the PB, since the decision on the areas of implementation of the participatory instrument is returned to the city government; (ii) potentiating movement in the search for equity by directing works to the territories where the index has the lowest values, that is, the most vulnerable communities.
Keywords: Participatory budgeting; territorial decentralization; IQVU; territorial equity.
Resumo
Este artigo tem como objetivo compreender o Orçamento Participativo (OP) como instrumento de descentralização territorial, fiscal e administrativa com intuito de alcançar uma maior equidade territorial na cidade de Belo Horizonte – Brasil.
A Constituição Federal brasileira de 1988 (CF/88) tem como uma importante finalidade restabelecer o federalismo[3] no Brasil impulsionando os processos de descentralização[4]. Processos estes que, naquele momento eram apoiados por uma ampla maioria de atores da sociedade civil tanto do espectro político de esquerda quanto de direita. Enquanto os primeiros se apoiavam na ideia de que uma aproximação das instâncias decisórias da população levaria a uma maior participação da sociedade civil, argumento refutado por Treisman (2006) e Inman e Rubinfeld (1997); os segundo sem empolgavam com a possibilidade de maior competição travada entre os estados e municípios.
Os princípios constitucionais de descentralização e participação foram importantes impulsos para a implementação dos Orçamentos Participativos em diversas cidades brasileiras, dentre elas, Belo Horizonte. Governada por Patrus Ananias, do Partido dos Trabalhadores, a cidade foi contemplada, em 1993, com o OP. Instrumento que garante que parte do orçamento municipal será gerido junto a sociedade civil, buscando melhoria de condições urbanísticas em localidades mais vulneráveis.
Organizado em diversas etapas que contam com algumas assembléias abertas à comunidade, outras restritas à representantes eleitos (delegados e membros do Comforça) e ainda momentos de participação exclusiva de técnicos da prefeitura, o Orçamento Participativo é um instrumento de descentralização, dentro de um processo mais amplo que atua no mesmo sentido em âmbito nacional. Processo este que, tal como pode ser observado na maioria dos sistemas federativos, apresenta, além dos movimentos descentralizantes, camadas de centralização.
Outro elemento central na formulação da CF/88 que está presente no OP é a equidade territorial. Equidade é colocada aqui como um corretor de injustiças (Rawls, 1997) ou como a possibilidade constitucional de tratar desigualmente os desiguais na medida de suas diferenças. Neste sentido o OP funciona como um instrumento que visa reduzir as desigualdades territoriais.
Especificamente no caso de Belo Horizonte, este caráter equitativo do OP apresentou-se mais forte mediante a criação (entre 1993 e 1996) e incorporação (2000) do Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU). Trata-se da elaboração de indicadores que avaliam para cada Unidade de Planejamento (UP) características como abastecimento, cultura, educação, esporte, habitação, infraestrutura urbana, meio ambiente, saúde, serviços urbanos e segurança urbana.
Pode-se entender o IQVU a partir de dois movimentos: (i) elemento de força centrípeta dentro do processo descentralizador do OP, já que volta para a prefeitura a decisão sobre as áreas de implementação do instrumento participativo; (ii) elemento potencializador na busca por equidade por direcionar as obras para os territórios onde o índice apresenta valores mais baixos, ou seja, as comunidades mais vulneráveis.
Palavras-chave: Orçamento Participativo; descentralização territorial; IQVU; equidade territorial.
Referências
ANANIAS, Patrus. Orçamento participativo: democracia e soberania popular. Brasil de Fato (sp). Out. 2019. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2019/10/02/artigo-or-orcamento-participativo-democracia-e-soberania-popular/. Acesso em 29 de novembro de 2019.
INMAN, Robert, P.; RUBINFELD, Daniel L. (1997), The Political Economy of Federalism. In: MUELLEr, D. (Ed.) Perspectives on Public Choice: A Handbook. Cambridge: Cambridge University Press.
Rawls J. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes; 1997.
RODDEN, Jonathan. (2005) Federalismo e descentralização em perspectiva comparada: sobre significados e medidas. Revista de Sociologia e Política.
SOARES, Márcia M., MACHADO, José Angelo. (2018) Federalismo e Políticas Públicas. Coleção Governo e Políticas Públicas. Basília: ENAP.
TREISMAN, Daniel. The Architecture of Government: rethinking political decentralization. Forthcoming cambridge University Press, October, 2006.
[1] Federalism is a form of political organization of the state that has dual autonomy, that is, there is a central government and subnational territorially organized governments. (SOARES; MAHADO, 2018).
[2] According to Rodden (2005) decentralization can be understood as the transfer of authority from central to local governments.
[3] O federalismo é uma maneira de organização política do Estado que conta com dupla autonomia, ou seja, há um governo central e governos subnacionais organizados territorialmente. (SOARES; MAHADO, 2018).
[4] Segundo Rodden (2005) a descentralização pode ser compreendida como a transferência de autoridade dos governos centrais para os locais.
(*) Resumo realizado por nossos pesquisadores durante 2019 (no âmbito da pesquisa Cartografia do Orçamento Participativo em Belo Horizonte) aprovado no IPHS que acontecerá em Moscou em julho de 2020.